segunda-feira, 7 de março de 2011

Saco cheio.

Saco cheio de ser assim. Voz dissonante no deserto... Talvez lá fosse melhor. Fazer o mesmo percurso no mesmo horário, consumir os mesmos sabores, pra tentar fazer diferente. Uma boa aula de filosofia, por exemplo. Dizem que quem faz filosofia, ou tem um diploma disso, pensa. Das duas uma: ou todos nós pensamos, e não precisamos de um curso de filosofia, ou vivemos num antro de hipocrisia, e ninguém quer pensar, quer apenas ouvir o que já acredita, o que já "sabe" (já que sabedoria hoje em dia é "saber o que se sabe"). Ninguém tá ali pra aprender, mas pra tirar nota, e angariar um diploma "honestamente", na maioria das vezes. Mas na minha pouca e limitada percepção filosófica, o curso de filosofia deveria ser um curso diferente. Não deveria ser chamado de "ciências humanas", nem de "arte", nem de "educação", mas de "Filosofia". Todo mundo filosofa, querem defender. Afinal, nossa vovó filosofa (não que ela não tenha sabedoria prática através da experiência de vida), a galera da half filosofa (como ninguém, cada insight, basta ver sua produção literária), os amigos do boteco filosofam (basta ouvir as teorias inúteis), nossos ídolos arteiros filosofam (afinal só faz arte quem nasce assim, com um "dom divino"), afinal, todo mundo filosofa. Mais um motivo para extinguir o curso de filosofia. Nossa população pensa por si mesma. É só verificar suas ações, seus gostos, seus valores, suas teorias. Não. Um bom pesquisador de filosofia decora bem o pensador histórico, veste camisa, levanta bandeira, e vai revolucionar o mundo. Eis o motivo de tanta guerra e discórdia no mundo. Liberdade igual transviadagem. Ética igual reacionarismo. Metafísica igual ilusão. Arte igual um suspiro acompanhado de um gozo. Política igual a depredação. Epistemologia igual a vadiagem. Estética igual a um estilo de vida. Não, não é assim que se ensina filosofia. Mas é assim que se aprende. Essa é a prova cabal de que não existe filosofia no Brasil. A culpa tasvez esteja na herança genética daqueles lacaios famosos que em nome de riqueza material vieram colonizar os habitantes naturais desse país. E ninguém olha por eles. Atenção: eles somos nós. Nós não somos "aqueles". MAs sim os filhos bastardos destes, com aqueles outros. É. Só nos resta a imaginação. Para que possamos delirar, e acreditar que a nossa alucinação é real. Que o nosso país é próspero, ordenado, e progressista. Que aqui se faz ciência de ponta (não seria o preço da mão de obra?), que nossa cultura é democrática e criativa (cada chiclete jogado na rua que cola no nosso calçado), que temos liberdade religiosa, e que por isso nos respeitamos fidedignamente, que o nosso senso comum também não tem uma grande parcela de maldade (leia-se corrupção), e que aprendemos a filosofar no Brasil. Talvez seja possível. (Digo isso como uma opinião pessoal baseada na observação.) Mas apenas em casos de auto-didatas, que não aceitam incondicionalmente nem excluem o academiciscmo, e que portanto não tem um ídolo ou mestre a seguir. Apenas sua própria consciência. "Mutável, sim, mas sob uma certa lógica ordenadora", como disse o famoso, ignoto, obscuro, e mal entendido Heraclito (assim mesmo, sem acento). É essa consciência (própria) que é o objeto de estudo da filosofia. É isso que ninguém entende. Nem o pós-doutor que se formou na Europa (continental ou insilunar), ou seja aquele graduando que está vendo uma nova realidade a cada dia, e que portanto está vislumbrado com tanta novidade, que não consegue agrupar seus estímulos e sensações numa só cabeça. Daí porque se defende tanto a falta de sentido em tudo o que existe (o que está na moda). Aliás, deve ser por moda, nada mais do que isso, que alguém se inscreve no vestibular de filosofia. Muita gente pensa (e é bem sucedido assim), que filosofia basicamente se resume a ler e escrever. Digo e afirmo: filosofar é por tudo em xeque. Inclusive a nós mesmos, nossa humanidade, nosso mundo social e afetivo. E conseguir tirar uma conclusão contundente após esta dúvida (se verdadeira). Aí está a a verdade da filosofia. Afirmar o que já se sabia, ou renegar o que não é cabível concordar, isso mais uma vez é modismo. Rasgar roupas, e destrinchar os cabelos? É moda. Para ser mais pontual: é a anti-moda, o que não deixa de ser moda. A contra-cultura, tão venerada, é também consolidadora de uma gama de valores condicionantes e portanto acomodantes em nossas vidas. Apenas é um estilo de vida ainda não hegemônico. Nada mais. Ouvir o legítimo rock n' roll, por exemplo, e desprezar a pop art, é como alguém que ouve sertanejo, ou quem sabe axé, e renega o rock. Quem faz filosofia deveria ver o que está por trás das coisas, sua essência, sua ideia subjacente. Assim veria que não existe tanta diferença assim em ser ateu convicto ou crente fanático. A postura mental é a mesma. É essa postura (em todos os âmbitos) que está em jogo em um curso de filosofia. Por isso filosofia é Filosofia, e não arte, ciência ou religião. Todos deveriam fazer filosofia uma vez na vida. Talvez o mundo fosse um pouco diferente se - com essa postura - as pessoas parassem para pensar, sobre si próprios, seus valores, suas convicções, seus hábitos de todas as estirpes. Filosofia é um balançar da carruagem, que só quem fez sabe de sua veracidade. É como um navio em auto-mar, que se vê com a necessidade de efetuar reparos, mas como não existe porto, nos reparamos em nossa viagem cósmica. Um pouco de revolta é bem vindo. E uma dose de resignação também faz bem. Afinal, é isso que vai me mover, no próximo dia útil, a sair no mesmo horário, fazer o mesmo trajeto, sob os mesmos aromas, pra tentar fazer a diferença. E ser mau visto com isso. Também quem é capaz de cometer um deslize, que é esse desabafo, deve - por obrigação - ser capaz de perceber, que agradar os outros, desde que o homem é homem, é fazer igual, ganhar fama, dinheiro, e desaparecer. Mas fazer diferente é assim mesmo, é irritante, frustrante, a pessoa é apontada, estigmatizada, caluniada... Mas a gente está evoluindo.